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Quando as aves voavam...que solidão errante até chegar a ti!

  • espacomar
  • 3 de jan. de 2023
  • 3 min de leitura



... é como se intitula a exposição que Guida Ferraz traz à Galeria espacomar, uma casa de artes que vem realizando um apreciável papel artístico-cultural e educativo.


Guida Ferraz nasceu em Moçambique. Aos dez anos vem com a família para a Ilha da Madeira, aqui ficando até ao ano 2000; fez formação superior em Artes Plásticas/Pintura, exerceu a profissão docente e desenvolveu actividade criativa e expositiva, em iniciativas individuais, como também em muitos projectos colectivos.


A exposição que agora nos dá a rever, apresenta essencialmente obra realizada em Lisboa, onde passou a residir e trabalhar. Regressa agora ao contexto insular, com a exposição “Quando as aves voavam… que solidão errante até chegar a ti!”; reunião de um conjunto de peças sob um título longo, a solicitar, num primeiro enlace com o fruidor, uma leitura atenta e comprometida. Parte do título vem de uma exposição de 2011, numa espécie de retoma ou recomeço de metáforas essenciais. Aves ou apenas pássaros de silêncio que procuram em nós a nesga de céu para experienciar o voo?

Metáforas inquietas de tensão, contraditório, deslocamento, dobra, entre o eu e o outro, o ponto de partida e o ponto de chegada, o tempo passado e o tempo presente, o voo e o pouso.


A esta mostra, podíamos justapor um aforismo do poeta Paul Celan: “Era Primavera, e as árvores voaram para os seus pássaros.”


O núcleo principal desta exposição é constituído por cinco desenhos de setenta centímetros por um metro; folhas de papel de grande dimensão, onde a artista desenha, pinta, cose ou borda recortes de papel; há colagens de imagens impressas, previamente tratadas digitalmente. O desenho naturaliza-se sobre o suporte, de forma mais convencional, ou materializado com fios vermelhos que ora atam as formas, ora caem soltos… derramados sobre o papel.

Apesar dos recursos mistos alargados, a composição sobre o campo cenográfico de construção da imagem, mantém uma grande economia estética: atmosferas luminosas levemente coloridas em torno das formas escuras das aves, e das suas sombras projectadas; também a sombra da artista, das flores, das árvores.

Comum aos cinco desenhos, sobressai a dinâmica compositiva, operada pelo ritmo dos pássaros em voo, pelo diálogo entre eles, pelo efeito positivo/negativo; também pelo corte ou representação parcial das formas, sugerindo a acção de entrada e saída dos elementos do espaço cénico. Há ainda efeitos de transparência e leveza, proporcionados pela mancha pictórica e adição de recortes em papel vegetal.

A linguagem plástica e iconográfica, a manipulação dos materiais e recursos técnicos, concorrem para uma forte narrativa: torrente expressiva, autobiográfica quanto ficcional e que nos traz para dentro do silêncio da linguagem, com todas as suas marcas de debate com o quotidiano; inquieta procura e partilha de afectos, despojos da vida e da morte e outros tantos separadores entre camadas de tempo e (des)construção de memória.


Esta exposição conta ainda com mais três peças que remetem para exposições e séries de trabalho muito mais antigos, onde Guida Ferraz sistematiza uma série de pesquisas e procedimentos; aspectos encetados ainda enquanto estudante do Instituto Superior de Arte e Design da Universidade da Madeira e depois exaustivamente trabalhados e recriados, entre 1996 e 2000, quando integrou o Atelier de Artistas (com espaço de exposições) da Circul´Arte.

É um período de trabalho de conquistas e domínio dos procedimentos técnicos e requisitos materiais exigentes, nomeadamente a utilização de suportes em madeira natural e transformada, fortes colagens/assemblagens, de imagens recortadas criadas por si e de objetos intervencionados, conjugando a tradicional pintura a óleo com a integração de resinas sintéticas. Trabalho oficinal, matérico e propenso à presença impositiva dos meios, mas onde a artista consegue coligir e harmonizar materiais, em quantidade e em singularidade.


Fase de composições intensas, às quais a artista associa palavras respigadas de jornais e revistas. Escrita que interage de forma poético-visiva, performática e transformadora pelo contacto com os outros elementos icónicos; elementos organizados numa espécie de caixa ou em suportes recortados com formas diversas: uma chávena, um cachimbo, um relógio, uma chave.

“Quando as aves voavam… que solidão errante até chegar a ti!”, é uma exposição à qual podemos aceder ou experienciar, em síntese, com assento em questões singulares, se bem que indissociáveis: 1- Procura, errância e descoberta; 2- Voo e leveza; 3- Silêncio e solidão; 4- Encontro e afecto, 5- Inquietação e resiliência ou… a teimosia como suporte de vida.


No catálogo da exposição individual de Guida Ferraz, intitulada “QUANDO EU TINHA OLHOS AZUIS”, realizada na Galeria da SRTC, no Funchal, patente de Abril a Maio de 1997, escrevi: “Tão processual, quanto implosiva de si própria, QUANDO EU TINHA OLHOS AZUIS configura-se como a matriz de teimosos recomeços e cultivadas inquietações. “


“Quando as aves voavam… que solidão errante até chegar a ti!”, é um teimoso e feliz recomeço.



Teresa M. G. Jardim

Funchal 25/28 de Abril de 2022


 
 
 

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